Dia Mundial da Fotografia e o poder de congelar o tempo
Consigo olhar para esta fotografia de um pôr do sol e pensar imediatamente no motivo pelo qual, ano após ano, continuo a agarrar na máquina fotográfia. No fundo, a fotografia é o único instrumento capaz de congelar o tempo. E se hoje celebramos o Dia Mundial da Fotografia, é porque há algo de universal e eterno neste gesto tão simples de carregar no botão e registar um ínfimo instante. Mas será que é assim tão simples?
Vivemos numa era em que fotografar é quase um reflexo involuntário. Todos nós, a qualquer momento, pegamos num telemóvel no bolso pronto para eternizar uma saída em família, um concerto ou festa da aldeia ou até mesmo uma sobremesa num restaurante. Nunca se fotografou tanto. Mas paradoxalmente, penso que também nunca se olhou tão pouco para as fotografias. O volume é esmagador, o consumo é efémero, e a maioria das imagens perdem-se em pastas digitais, em cartões, e até em feeds de redes sociais. Às vezes mesmo em backups na nuvem que por vezes até me esqueço que estão lá.
É por isso que este simples pôr do sol, captado em toda a sua intensidade de cores e contrastes, me faz pensar que a fotografia só cumpre o seu verdadeiro papel quando nos obriga a congelar no tempo. Quando nos confronta. Quando nos pede que deixemos de correr para olhar, de facto, para o que temos à nossa frente. Sonhar acordado.
Estamos numa era tecnológica, acelerada, marcada por inteligência artificial, algoritmos e um volume de dados que desafia qualquer noção tradicional de memória. E neste turbilhão tecnológico, a fotografia tem um papel crucial pois acaba por ser a testemunha silenciosa deste nosso novo tempo.
Um pôr do sol não é apenas a luz a desaparecer no horizonte. É a prova de que estivemos ali, de que respirámos aquele ar, de que nos deixámos tocar por aquela cor. Uma fotografia de rua não é apenas uma multidão apressada, mas um retrato social de como vivemos nos dias de hoje. Uma fotografia de família não é apenas a soma de rostos, mas um acumular do nosso crescimento e da nossa identidade coletiva.
Neste sentido, fotografar em 2025 é muito mais do que uma atividade artística ou técnica. É uma forma de resistir ao esquecimento. É afirmar que isto aconteceu, isto existiu, eu estive aqui. Isto apesar da maioria das vezes nem aparecer na fotografia…
Olhando para o futuro, não posso deixar de pensar no dilema em que nos encontramos. Por um lado, temos a banalização da fotografia, essa avalanche de imagens produzidas todos os dias que acaba por lhes retirar valor. Por outro, temos a oportunidade única de registar o mundo e o que nos rodeia como nunca.
É aqui que entra a diferença entre fotografar e fazer uma fotografia. Fotografar é disparar sem pensar, é acumular ficheiros sem qualquer tipo de filtros. Fazer uma fotografia é olhar com intenção, escolher o enquadramento, sentir a luz, esperar pelo momento. É aquilo que distingue o instante banal da memória eterna.
No futuro, imagino que a fotografia terá de se reinventar. Já vemos inteligência artificial a gerar imagens hiper-realistas que nunca existiram. Já vemos algoritmos a manipular rostos, cenários e emoções. E talvez estejamos a caminhar para um tempo em que será cada vez mais difícil distinguir o que foi captado do que foi inventado. Mas é precisamente aí que a fotografia irá ganhar ainda mais importância porque haverá sempre algo insubstituível na honestidade de um clique, na verdade de um instante não encenado. A alma da fotografia.
Não quero, no entanto, tornar este artigo num manifesto pesado. Porque a fotografia também é leveza, também é descontração. Quantos de nós não temos no telemóvel aquela fotografia desfocada, mal enquadrada, mas que nos arranca uma gargalhada sempre que a vemos? Quantos de nós não guardamos imagens aparentemente imperfeitas, mas que carregam o peso das nossas melhores memórias?
É este lado humano, imperfeito, que me faz acreditar que a fotografia nunca perderá a sua relevância. Mesmo que um dia as máquinas consigam criar imagens perfeitas, já o fazem aliás, de uma beleza calculada ao milímetro, haverá sempre espaço para aquela fotografia tremida, embaçada ou para aquele pôr do sol com as cores ligeiramente estouradas, mas que nos devolve a emoção de estarmos vivos naquele momento.
No Dia Mundial da Fotografia, a minha opinião é clara. Necessitamos de reaprender a dar valor às imagens. Menos quantidade, mais intenção. Menos pressa, mais contemplação. Não importa se fotografamos com uma DSLR topo de gama em RAW ou com um simples smartphone em JPEG. O que importa é o olhar que levamos connosco.
A fotografia é tanto técnica como emoção, tanto memória como criação. É arquivo e é poesia. É o reflexo do que fomos e a promessa do que ainda poderemos ser.
Enquanto existir um pôr do sol, como o da fotografia que me inspirou a escrever estas linhas, haverá sempre alguém a querer pará-lo no tempo. E enquanto houver alguém disposto a fazer isso, a fotografia continuará a ser o idioma universal que une gerações, geografias e culturas.
Porque no fim, cada fotografia é um testemunho, uma pergunta e uma resposta. E no futuro que se avizinha, cheio de incertezas digitais, essa será talvez a maior das nossas certezas, a de que a fotografia nunca deixará de ser… necessária.
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